27.11.07


Cláudio Abramo, um cético apaixonado
Ricardo Muniz 03/12/2002

Cláudio Abramo foi o jornalista responsável pela ampla modernização das redações do Estadão e da Folha de S.Paulo. Trotskista, sempre fez questão de frisar que compreendia e trabalhava conforme a natureza do capitalismo. Admitia que deixara de fazer tudo para fazer só o jornal, num brutal ritmo que o forçou a abrir mão até da militância política.
Mas não admitia falta de opinião própria. Uma reportagem, para Abramo, tinha de combinar agudo senso de observação com a presença de referenciais universais. Ao mesmo tempo, serenamente reconhecia a engrenagem da grande imprensa. “Quando um jornalista vai trabalhar numa empresa, deve perguntar o que é objetivo, segundo aquele jornal.”
Apaixonado pela profissão, ao fim de sua carreira queixava-se dos jornalistas que observava: “estão fazendo uma coisa cuja natureza intrínseca e cuja beleza não enxergam”. Por diversas vezes recomendou ceticismo, investigação e reconhecimento das complexidades como elementos necessários a um exercício digno do ofício.
Para o autoritário comandante de redações, que não teve paciência para ensinar nas salas de aula da Cásper Líbero e da ECA, “é muito difícil improvisar jornalistas através de cursos em escolas canhestras, com professores em muitos casos vítimas da teorização cretinizante ou do pragmatismo castrador”. Mas defendia o curso e a regulamentação da profissão, ainda que com modificações, pois desconfiava da cada vez maior oposição dos patrões a um e outra.
Com uma pitada de amargura, Abramo se perguntava qual o objetivo dos jornalistas brasileiros, e como se estivesse seguro da resposta – fazer carreira, ganhar dinheiro –, despedia-se, protestando: “Então já não sou mais jornalista, já pertenço a uma espécie em extinção.”

Jornalista de nascença (cwabramo.sites.uol.com.br/cláudio.htm)

Viajou muitíssimo, escreveu muitíssimo, assinando o nome ou não assinando, ou assinando com pseudônimo.
Recebeu duas medalhas na vida: uma do governo italiano, pelo traba1ho clandestino na resistência italiana durante a guerra; outra do governo da República Democrática Popular da Polônia, em reconhecimento ao apoio dado à luta antinazista dos poloneses.
Não é membro de academias ou clubes. Fez o curso primário e os cursos de madureza do ginásio e do colégio, estes depois de maduro. Não tem curso universitário. Fala corretamente cinco línguas. Escreve em português e inglês, corretamente. Nunca publicou livros. Nunca fez poesias. Nunca escreveu ficção, nem a jornalística. Dirigiu, marginalmente, a Folha Socialista, jornal do Partido Socialista Brasileiro, do qual foi membro alguns anos; e deu o nome, como diretor-responsável, sem nele trabalhar, ao Portugal Democrático, da resistência antifascista portuguesa.
Nunca entrevistou atrizes de cinema, cantores, Jânio Quadros, o papa João Paulo II ou Winston Churchill...

20.11.07


QUEM ME MATOU?

Era um final de tarde, no cemitério não havia viva alma, apenas Heitor Cândida. Ia em direção à saída, subia apressadamente, o dia perecia noite, relâmpagos cortavam o céu, trovões ensurdecedores anunciavam um temporal. O vento assoviando nas cornetas dos túmulos burgueses avisando os urubus perfilados que o mar não está para peixes.

Heitor, nunca foi muito chegado a cemitérios, velórios ou despachos nas encruzilhadas. Morto, efetivamente, não tinha vez no seu happy hours, sem pruridos confirmava:
─ “Tenho medo dessas coisas”.

O portão, para ele, parecia cada vez mais distante. Apressadíssimo, ofegante, caminhava entre as árvores sombrias, estranhamente ouve os seus próprios passos estourarem no piso irregular do corredor principal do cemitério. Ele andava muito, mas não saia do lugar. Como num pesadelo, o coração começa a bater sonoramente atrás das suas orelhas. A sensação torturante se agrava quando a correria de um gato que perseguia uma ratazana, no estouro de um trovão, congela os bichos arrepiados. A explosão espanta uma coruja que voa num mergulho silencioso, risca com suas garras a cabeça do Heitor, arremete urrando ameaçadoramente.

Heitor estanca. Não consegue mais andar. A respiração é forçada, não há mais sincronismo pulsação/respiração, ele bambeia muito zonzo, e ouve uma voz:
─ Heiiitooor, me espere!!!
Pensou em alucinação: ─ Isso deve ser a tal síndrome do pânico, vou enfartar.
Não acreditando, tentou sair daquele quadrilátero maligno, mas sua perna não se moveu. Como se tivesse perdido o controle motor. Estático!
─ Heiiitooor, me espere!!!
Mais próximo, um vulto mal focado, agora em sua frente notou que não se tratava de um estranho.
─ Porra Beto, que puta susto! Meu.
─ Ainda bem que te encontrei companheiro. Estou precisando da tua ajuda.
─ Diz aí, qual é o problema, fala logo que estou com pressa.
─ Você deve ter visto no jornal que me mataram. Eu quero que você encontre o meu assassino.
─ Pô, meu! Se você que é o morto não sabe quem te matou, como é que eu vou saber. Vai procurar a polícia cara.
─ A polícia não sabe nada!
─ E eu com isso?! Vai lá à DIG, conta a tua história pro Rodrigão que ele desata esse nó.
─ O Rodrigão falou pra minha mulher que ninguém contou pra ele. Não recebeu, sequer, um único telefonema anônimo. Desse jeito, como é que ele vai saber?
─ A polícia ganha pra quê, meu?
─ Você sabe, que quando eu vivia, eu era pedreiro, mas se fosse milionário, esse assassino cafajeste que me mandou pra cá, já estaria em cana; é ou não é?
─ É.
Ventura Picasso - Coordenador do Grupo Experimental da AAL
2098






FANTASIA

Uma história comum, mas de difícil aceitação, uns poucos convivem com essa carga. Os valores éticos sociais, como principio, transitando lado a lado com os limites da moral individual, entre um casal que vivia muito bem, como dizem os de fora, felizes. Amélia não tinha queixas. Bernardão um bom marido. Cumpridor dos deveres de um patriarca moderno, e na cama não tinha igual. Noventa minutos na preliminar e mais noventa na hora do jogo propriamente dito. No currículo, só topo de pódio, e com a ferramenta de macho, nunca perdeu um único concurso. Ele é famoso.

De repente, a fartura acabou, e sobra o ditado popular: “Em casa que falta pão, todo mundo grita, mas ninguém tem razão”. O agora Bernardinho perdeu a inspiração, aquele ímpeto erótico foi racionado, escasseou e começam as primeiras falhadas:
─ Isso nunca me aconteceu antes... É a primeira vez, disse ele.
Quando o expediente terminava, ele já não tinha mais pressa de voltar para casa. Só vergonha, se sentia um fracassado.

A mulher não é lá essas coisas, mas não é de se jogar fora, padrão para uso caseiro. E como sempre, nessas situações, a esposa, se sente vítima de um complexo: “será que sou desqualificada para o bom gosto, e o apetite sexual do meu parceiro”?
O primeiro pensamento é a dúvida, muitas vezes se acha feia, ridícula e imprópria para “uso” do outro etc.
Sai pelos cantos perguntando para o primeiro que encontra:
─ Você me acha atraente?

Nessa situação liga para a irmã mais velha e relata o fato. Esta por sua vez recomenda prudência:
─ Pode ser apenas uma crise existencial. Logo passa, mas prepare todos os dias de manhã uma gemada com Caracu, isso pode fazer a diferença.
─ Eu fiz um refresco de catuaba com três Viagra’s diluídos, ele quase pega fogo, mas nem assim funcionou.
─ É melhor você falar com ele, pergunte qual é o problema.

A boa mulher, companheira inigualável, acredita que a verdadeira felicidade não está neste mundo. Para alcançar a vida celestial, o sacrifício é necessário. Sexta-feira vai ao terreiro de Umbanda, sábado a noite na igreja da Matriz e no domingo, no culto das 20h.
Tomada de coragem, compreensiva Amélia falando ao companheiro quis saber:
─ O que está acontecendo? Vamos conversar, assim podemos tentar resolver esse problema. É alguma coisa comigo, com o teu chefe na indústria de conservas? Você foi rebaixado, está numa nova função, não recebeu aumento de salário, atrasou o pagamento?

─ Antes fosse uma dessas as causas dos meus problemas. Quero confessar a você Amélia, e não sei como, mas estou possuído por uma terrível compulsão: Uma vontade incontrolável de colocar o pênis na cortadora de pepinos.

Espantada, a esposa sugeriu que ele procurasse um psicólogo, mas Bernardo resistindo, prometeu que iria pensar no assunto. Enrolou, enrolou até que a esposa, vendo que estava tudo perdido, perdeu a paciência e concordou: ─ Coloca logo esse negócio na cortadora de pepinos. O problema é seu. Resolva-se!

─ Ao telefone, mana você não imagina! Sabe o que ele quer fazer?
─ O quê?
─ Cortar o pinto!
─ Ai! Querida, ele deve estar muito doente. Uma amiga me contou que o marido teve um distúrbio bipolar. Na cama ele ria e chorava ao mesmo tempo. Demorou seis meses nessa palhaçada, mas sarou, voltou ao normal depois que ela falou para ele que iria arrumar outro homem. Homem que é homem, não ri e não chora, principalmente, na cama.
─ A vizinha aqui ao lado, me falou que pode ser mania infantil, por o pênis na cortadora de pepinos é coisa de criancinha que não sabe o que fazer com aquilo. Pode ser que seja a tal síndrome de Peter Pan. Vou desligar, ele está chegando.

Esgotado, deixou o corpo cair no sofá. O abajur de faiança explode no chão. A mulher aparece na sala espantada. Ao ver o marido prostrado, joga-se a seus pés, nervosamente solta o cinto, abaixa a calça e a cueca, aliviada vê aquilo que todas as mulheres mais gostam nos homens.
Estava intacto e exclama: ─ Deus seja louvado.

Ainda no sofá, cabisbaixo, profundamente abatido Amélia quis saber, enfim, o que acontecera, perguntou:
─ O que aconteceu querido?
─ Lembra-se da minha compulsão de enfiar o pênis na cortadora de pepinos?
─ Mas você não fez isso!
─ Sim eu fiz!
─ E o que aconteceu?
─ Fui despedido.
─ E a cortadora de pepinos? Machucou-te?
─ Não, ela também foi despedida.

Ventura Picasso – Conto: “Fantasia” intertextualidade de Piada da internet.
Ata. 8/11/2007
3629

OFICINA DE CONTOS - Rita de Cássia Zuim Lavoyer

19.11.07

“UM” OUTRO LÁ!
Folha da Região 21/11/2007


Alguns escritores amadores, aqueles que não conseguem editar um artigo no jornal, um livro, e humildemente, não se reconhecem como artista e nem sabem que escrever é pura arte, talvez a mais pura. Na verdade, o artista escritor é aquele político que se expõe e escancara a alma, sem medo ou pudor. Deixa aos bisbilhoteiros críticos, ou mesmo aos analistas literários, a porta do seu mundo particular aberta com a inscrição: “Entre sem bater, você não está sendo filmado”.

Existem, porém, os técnicos que escrevem manuais para uso de um equipamento, relatórios, lâminas informativas, projetos, normas sociais e enfim, todo tipo de literatura específica. Usam argumentos necessários para facilitar a utilização de um produto. O entendimento desses textos deve ser igual por todos os usuários, e isso não é arte.

Na crônica, na poesia, no conto e em tantas outras formas de comunicação, o escritor será sempre surpreendido por interpretações diferentes do que pensou e grafou. Quando abordado por um leitor que entendeu a minha escrita de uma forma diferente do que criei, a sensação me é agradável, descubro junto ao outro um pensamento que não me ocorreu. Para mim, essa outra visão é, antes de tudo, democrática.

Ao discordar de uma crítica em um artigo, e tentando “explicar o inexplicável” a um técnico que têm no imaginário a verdade final, fui agredido por pensar diferente.
─“(...), agora me vem ‘um’ outro lá (...)”, escreveu o endeusado.
Discordei das suas “verdades”, mas não deveria. A teoria fascista prega que devemos fazer apenas o que nos mandam, e calar. Essa bronca me levou a refletir: quem será?
E atônito, imaginei, o que esse tipo pensava naquela hora:
─ “Você sabe com quem está falando?”.

Quando um engenheiro faz um projeto, é possível provar, antes da obra pronta, que o objetivo será alcançado. No campo jurídico, o embasamento nos parágrafos das leis, vendando os olhos da Justiça, o entendimento é reto: Só pode haver um agressor havendo um agredido. Nas causas jurídicas, nos tribunais, algumas teses são obras literárias. A quantidade de peças teatrais e audiovisuais comprova que a história de cada julgamento, contem componentes emocionais de grande valor artístico.

Existem doutores que são artistas, e outros que escrevem, mas acostumados à leitura técnica, ingenuamente, acreditam nas notícias “plantadas” na mídia, e aí surge a opinião perfeita sobre o noticiário imperfeito. Perco-me na dúvida: Estaria eu lidando com uma personalidade doentia e reacionária, ou com uma alma técnica sem mácula? Eu não acredito em ingenuidade política, nela, até as lágrimas são planejadas.

Ventura Picasso – Coordenador do Grupo Experimental da AAL - 18/11/2007
2206.