20.11.07


QUEM ME MATOU?

Era um final de tarde, no cemitério não havia viva alma, apenas Heitor Cândida. Ia em direção à saída, subia apressadamente, o dia perecia noite, relâmpagos cortavam o céu, trovões ensurdecedores anunciavam um temporal. O vento assoviando nas cornetas dos túmulos burgueses avisando os urubus perfilados que o mar não está para peixes.

Heitor, nunca foi muito chegado a cemitérios, velórios ou despachos nas encruzilhadas. Morto, efetivamente, não tinha vez no seu happy hours, sem pruridos confirmava:
─ “Tenho medo dessas coisas”.

O portão, para ele, parecia cada vez mais distante. Apressadíssimo, ofegante, caminhava entre as árvores sombrias, estranhamente ouve os seus próprios passos estourarem no piso irregular do corredor principal do cemitério. Ele andava muito, mas não saia do lugar. Como num pesadelo, o coração começa a bater sonoramente atrás das suas orelhas. A sensação torturante se agrava quando a correria de um gato que perseguia uma ratazana, no estouro de um trovão, congela os bichos arrepiados. A explosão espanta uma coruja que voa num mergulho silencioso, risca com suas garras a cabeça do Heitor, arremete urrando ameaçadoramente.

Heitor estanca. Não consegue mais andar. A respiração é forçada, não há mais sincronismo pulsação/respiração, ele bambeia muito zonzo, e ouve uma voz:
─ Heiiitooor, me espere!!!
Pensou em alucinação: ─ Isso deve ser a tal síndrome do pânico, vou enfartar.
Não acreditando, tentou sair daquele quadrilátero maligno, mas sua perna não se moveu. Como se tivesse perdido o controle motor. Estático!
─ Heiiitooor, me espere!!!
Mais próximo, um vulto mal focado, agora em sua frente notou que não se tratava de um estranho.
─ Porra Beto, que puta susto! Meu.
─ Ainda bem que te encontrei companheiro. Estou precisando da tua ajuda.
─ Diz aí, qual é o problema, fala logo que estou com pressa.
─ Você deve ter visto no jornal que me mataram. Eu quero que você encontre o meu assassino.
─ Pô, meu! Se você que é o morto não sabe quem te matou, como é que eu vou saber. Vai procurar a polícia cara.
─ A polícia não sabe nada!
─ E eu com isso?! Vai lá à DIG, conta a tua história pro Rodrigão que ele desata esse nó.
─ O Rodrigão falou pra minha mulher que ninguém contou pra ele. Não recebeu, sequer, um único telefonema anônimo. Desse jeito, como é que ele vai saber?
─ A polícia ganha pra quê, meu?
─ Você sabe, que quando eu vivia, eu era pedreiro, mas se fosse milionário, esse assassino cafajeste que me mandou pra cá, já estaria em cana; é ou não é?
─ É.
Ventura Picasso - Coordenador do Grupo Experimental da AAL
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