27.3.09


MOCORONGO
VENTURA PICASSO

Incrível, estou no século XXI; No sec. 20 escrevíamos 21 em algarismos romanos. A evolução tecnológica, onde tudo é rigorosamente controlado por programas de informática sofisticados, que acionam robôs, variadores e automatismos complexos, manipulados por verdadeiros alquimistas cibernéticos, a serviço do capital, substituindo e deixando ao desemprego centenas de homens ávidos por trabalho.

Trazem o planeta nas mãos, e em alta velocidade confirmam um checking, ‘ok’, liberando ao taxi um DC10 para vôo com parte da carenagem de um dos motores batendo lata. O piloto disse que o LED não brilhou. Falha nossa? De quem?

Azar de quem estava em baixo. Casinhas frágeis, só o barulho dos três motores do monstro que voa, já é suficiente para derrubá-las. Mas, como o ronco sempre é pouco, do lado de cima veio uma casquinha da trazeira que cobre o motor daquele trem. Por onde passou rasgou tudo, atrás ficou o rastro de um tufão silencioso parando no pára-choque do velho Passat Bordeaux. A geringonça voadora é feita de alumínio galvanizado ou fibra de carbono, com pouco peso, ainda bem. Mesmo assim quebrou a cara do automóvel.

Por falar nisso, não é que um dia destes, quase fui atropelado! Na Praça Rui Barbosa, indo em direção à Raia na faixa de segurança. Alguém gritou: “Cuidado”.
Parei; o carro não. Passou tirando tinta do meu jeans. Por tradição familiar, aqui na cidade, ninguém respeita a tal faixa de segurança para pedestres. Mesmo assim fiquei indignado, vejam senhores leitores, o tal veiculo, todo adesivado e pilotado, possivelmente por um instrutor, pertence a uma auto-escola. Já pensaram o vexame? A chamada na primeira página do jornal: “Atropelado por carro de auto-escola”! As pessoas pensariam que não passo de uma múmia, mítica um mocorongo.

Do meu lado, preferiria morrer com uma turbinada de DC10 na testa; menos ridículo ou mais digno, sei lá! Claro não vamos contar com pé frio; né? Porque ir para o céu numa dessa, quem acreditaria? Nem São Pedro.

Mas, o Passat amazonense sem air bag segurou o latão aéreo. Se tivesse air bag ficaria estufadinho. Os projetistas de segurança automobilística não imaginaram que essa coisa pudesse cair sobre um carro da Volks. Nisso fico pensando no passado e no Fusca da Rufino: Triangulo! Extintor! Cinto de segurança! Kit de primeiros socorros! Air bag? Essa não, por favor! Onde ela vai instalar o air bag? Air bag não cabe no 69, vermelho desbotado, que já foi à Lua e voltou.

Agora, cá pra nós: Tanta exigência burocrática, controles, automatismos, engenharia, publicidade e luxo, mas o astro principal deste caso, um parafuso solto, no DC 10, em fim de carreira. E aí, quem é o dono do avião? Sai de baixo!

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18.3.09


SOLIDÃO
Ventura Picasso
FOLHA DA REGIÃO 02/04/2009

Em dezembro de 2008, quando a cidade completava 100 anos, deparei-me com um ser humano supostamente excluído. Dentro dos nossos padrões aceitáveis, conforme interpretamos os significados, a estranha figura desestruturada, do tal individuo, provocou em mim intensa curiosidade, não só pela sua aparência, mas principalmente por suas reações.

Segundo informação do jornal, ele não fala. A tentativa de uma abordagem civilizada, solidária, sempre é rejeitada. O que levaria um homem a esse ponto? Uma coisa é certa: Foi ele que abandonou o lugar onde vivia. Percebe-se facilmente que é uma atitude isolada e radical. A disciplina de seus atos, a partir da negação, ao ser alvo de interesses de outrem para ajudá-lo; beber água que corre nas sarjetas, fazendo com as mãos uma concha, como fazem ainda hoje, algumas tribos africanas. Alimentar-se de comida descartada, encontrada no lixo. Tudo nos leva a crer que é uma vítima, um ser invisível em seu próprio habitat.

A dificuldade ou o desinteresse da família, talvez da comunidade de entendê-lo, criou em seu mundo psíquico uma fantasia libertadora. Se fosse surdo-mudo, poderia conviver com os seus. No entanto preferiu o isolamento incompatível com a sanidade. Apoiado numa única vantagem pessoal, seus direitos democráticos, vagueia de improviso por onde bem entende. É um sem nada. Sem numero, ninguém pode encontrar um fio que o remeta ao passado. Seus trajes me levam a imaginar um interno abandonado num canto de um sanatório. Mas, não me parece que seja um deficiente mental.

Ele flutua em nosso meio livre como um pássaro. Corajoso, consciente ou inconsciente, deixa uma marca definida do que quer. Não teme os riscos, os preconceitos e a ausência de conforto. É mais livre do que qualquer um de nós. Conhece essa realidade. Está perfeitamente enquadrado nos padrões da burguesia. Não pede esmolas, não quer ser um chato. Anda pelas ruas, pelas calçadas e usa chinelos. Qualquer entidade decadente andaria descalço. Há certa sensibilidade em seus pés. Posso arriscar: ele nunca andou descalço. Será por acaso, mais um José nascido na Macondo de Garcia Marques, em ‘Cem Anos de Solidão’?

É um solitário? Ou esquizofrênico que não se ocupa do porvir? Qual é a sua verdade? Quem sabe? Ou ninguém sabe! Nas relações com os homens, com o mundo dos deuses e com a natureza, fora do sistema político não protesta, mas conduz o seu destino, mostrando no alicerce do seu caráter aventureiro, a aura de um vencedor. Os sentimentos que regem as emoções, a segurança, os prazeres do sexo, e até os alimentos etc. para nós necessários; para ele, que o vemos excluído, tudo é supérfluo, a sua verdade é a vida!

Foto:Alexandre de souza 17022009 Folha da Região

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11.3.09


Palpite Infeliz
Ventura Picasso
FOLHA DA REGIÃO - 17032009
A pressa dos oportunistas, muitas vezes, como aquele pára-quedista, que durante a queda se dá conta de que o pára-quedas ficou no bagageiro da Kombi. Não faz mal, pensou: até aqui tudo bem. Assim pensaria um político otimista, mas não tem volta é a moral da lei. O que foi falado não pode ser consertado. Como a lei da gravidade sem parágrafo, números e incisos. Alguns legisladores não conhecem nem essa lei. Enrustidos, quebram a cara de quem acredita neles, e eles por seu lado, otimistas buscam um remendo colorido.

Gosto de plagiar títulos, o de hoje é de Noel Rosa, só para lembrar um verso: “Quem é você que não sabe o que diz?" Quando o vereador disparou a falação, dizendo que não disse, foi um momento hilário. Sabíamos que seria a única saída. Político, já dizia vovô, quando fala pelos cotovelos, é sempre uma fala provisória.

Eles sabem que a qualquer momento, vão dizer que não disseram. E lá estava, como um boneco de ventríloquo, falando que não falou em extinguir a secretaria, dizendo: “Se é para terceirizar, não precisamos de secretaria” falou lá do alto, arrumadinho e aparecendo na TV, afinal a imagem vale muito. Todavia, o discurso original ecoa no éter: “É melhor que o prefeito extinga a secretaria.”

Do mesmo modo, ao dizer que não é nada pessoal, sugere que o salário do secretário Hélio Consolaro poderia ser utilizado pelo município em outras ações. Não perdendo a pose, o vereador que tem o nome estampado no muro todos os dias, ano após ano, sendo que ninguém questiona, tentou convencer a platéia, os ouvintes e os tele-expectadores, de que tudo que falou foi mal interpretado.

Da nossa modesta ótica, entendemos que, segundo interpretação do edil a Secretaria Municipal de Cultura, possui em seu coletivo uns 200 funcionários. É tudo questão de interpretação. Na prática, Hélio Consolaro, em seu staff conta com menos de meia dúzia de servidores. Que ninguém nos ouça: Tocar um carnaval como o de 2009, numa cidade com 180 mil habitantes, sem terceirizar, só mesmo se for um comissionado indicado por esse gênio do legislativo.

Abestalhado com o discurso da hora, distraído, alguém pisou no meu pé. Um par de sapatos novos. O felizardo é moderno e não pediu desculpas. Olhando a biqueira carimbada lembrei que tinha um sapato. Não só do sapato, porém do Bush, isso mesmo, uma sapatada. As coisas vão acontecendo e a gente vai relembrando. O da lei ali na tribuna era passível de uma sapatada. O meu sapato é novo, não fere os pés, custou caro e um cara desses não vale uma sapatada. Cá pra nós: Já pensaram um botinão furado, fedido e voando sem pára-quedas em direção à tribuna?

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8.3.09


UM PASSEIO COM FREI BETTO
Passeio Socrático

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'

Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...

A palavra hoje é 'entretenimento' ; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo.. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:
"Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !"

Frei Betto

1.3.09


Maquiagem


Ventura Picasso
FOLHA DA REGIÃO - 03032009

O governo do PT tem a mania de inverter as prioridades.
Por isso, os mais necessitados são sempre o foco principal. Após a posse de Cido Sério em 2 de janeiro de 2009, de cara, esta cidade amanheceu com outra cara, uma cara feliz.

Até na audiência de prestação de contas na Câmara, o público presente, tinha outra cara. Na happy hour, em todos os finais de semana, a maquiagem é necessária, a beleza é agradável, além é claro do cheirinho de limpeza das ruas, dos bares e restaurantes.

Porém, não se trata apenas de maquiagem. A lipoaspiração que é feita nas galerias pluviais. O projeto de recapeamento asfáltico tão esperado e acontecendo. O governo do PT está empenhado em fazer todas as plásticas necessárias para reconstruir a cara da cidade.

E não é só isso, a psicanálise que é feita na Caixa Preta é fundamental. Imaginem senhores leitores, a depressão da pobre cidade nos últimos cem anos. Coitada, cabisbaixa e calada, sem revelar seus problemas com o INSS, com o PASEP, com o PRODEAR e outros, e acumulando 230 milhões de problemas. É divã para o resto da vida!

Concluindo, a maquiagem, a lipoaspiração, as plásticas e a fisioterapia têm como objetivo transformar Araçatuba num lugar alegre e bonito para todos. Esses problemas já estão na conta da equipe e do prefeito Cido Sério com quatro anos de carência. Aguardem!

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