30.8.12

Voto de família

Na rampa da Rua 13, entre o Piu Piu e o Bar Aurora, Rick acompanha Ieda e Carla. Ocupam uma mesa, na calçada, cheia de latas de cervejas vazias. O papo rola livre em plena campanha política eleitoral, Ieda discutia, entusiasmada, o boquete da Monica Lewinsky.

Um cidadão recolhendo latas vazias de bebidas, humildemente, chega à mesa do trio amigo:
― Dá licença?
― Sim?
― Posso recolher as suas latinhas?
Rick, atenciosamente, respondeu ao catador:
― Por favor, o senhor chegou bem na hora, a nossa mesa não suporta mais, não há espaço para nada; obrigado.  

Carla, uma italianinha branca como leite, cheirando fim de banho, vestindo seda esvoaçante desfila sempre de cabeça erguida, risonha, apetitosa – carne fresca no pedaço sentadinha ao lado de Rick – que tesão. As mamas tipo pêra, iguais às da Kim Novak quando chegava, sem sutiã, no set de filmagem; Hitchcock detestava. O mago do medo perdia a direção.
― Doutor, ainda bem que tem muita gente sem educação. De todas as mesas aqui na rampa, só a sua mantem as latas sobre a mesa.  Quando vejo uma latinha na sarjeta, vazia, jogada ao chão, meu, vejo cinco centavos. Assim sustento minha família, ainda bem que existem os sem educação. Já me vou! Adeus a todos, bom fim de semana.
― Sabe de uma coisa Carla, interfere Rick:
― Quando vejo um santinho de candidato jogado no meu jardim, sempre imagino quanto custou aquele lixo que polui as nossas ruas. São milhões de Reais no aguardo de um retorno supostamente desconhecido; Mas, que retornam, não há dúvidas. Em política, é a ambição descontrolada, a ideologia dominante. 
Os salários percebidos em quatro anos, no tempo de um mandato normal, não atingem os valores gastos em uma campanha vitoriosa, considerou Ieda, retornando à Monica:                            
― Quando me lembro do mandato do Clinton, me encharco molho até os joelhos.  Lembra-se da Bilá? Pois é, ela me contou o affair entre Bill e Monica, um negócio que estava dando certo, ela entregava pizza pro cara, porém a abelhuda Linda Tripp, entrou na concorrência e melou o jogo.     
Chupando sorvete Carla analisa:         

― Não foi corrupção ativa na concepção cristã; foi passiva, a pizza era boa, ela gostou e, etc. A justiça dos homens, ancoradas na sagrada, no supremo debate jurídico, qualificaram o ato obsceno como “quase relações  sexuais.  A fissura animal não se poupou, lá na saleta Oval da Casa Branca, onde dividiam a pasta italiana, partiram rapidinho para a tão sonhada ação. 
Comeu?
Não! Ficou na porta.
O bombardeiro Hillary, ameaçou, mas calou. 
O New York Times não sentiu emoção. Tudo bem. Não houve conjunção carnal, a menina não pegou as coisas do presidente, a justiça não condenou, nem o Times. Aconteceu, por que aconteceu! A culpa foi da Linda que gravou numa segunda-feira as aventuras de um lindo domingo da Monica. Bafos! Coisa banal, mulherzinha ridícula... Um trapo essa Tripp!
Agora, pensando bem, muito melhor políticos tipo Clinton. Os que eu conheço preferem roubar dinheiro e dividir uma pizza na justiça para comemorar o fato. Nem a mãe vota no individuo.
Atualmente, ninguém se escandaliza. Mas, certamente, se uma dona fosse flagrada com a boca na botija de um político, o felizardo seria cassado. Suportar essa imoralidade, jamais. Roubar dinheiro é outra coisa. É coisa normal e costumeira, meu!

Rick pergunta:
― E a dignidade?
As meninas perdidas:
― O quê?

"...depois, muito depois, apareceu a estrela do mar..." 
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2.8.12

Contos Perversos

RESENHA

Participando da vida em sua totalidade, através da literatura, por textos eróticos de amor e ódio, de prazer e dor, com fé no monoteísmo sexual na hora exata do orgasmo, de alegria e tristezas descobri em ‘Contos Perversos’ a perfeição libertária provocada pelos “27 guerreiros, irrequietas almas, que se escondem” dividindo suas 178 páginas.

O prefácio, Em Fermentação, de Aninha Franco, seduz qualquer leitor que tenha um mínimo de conhecimento dos protagonistas que conviveram com Lou Salomé. Na página 15, nos traz um trecho de ‘Cartas a um Jovem Poeta’, de Rilke, sobre o interesse principal da missiva: ― Meus textos são bons?

Aqui a escritora, respondendo ao pedido dos escritores de ‘recomendá-los‛ (textos) aos leitores, delicadamente comenta: “... essa gente jovem talentosa que escreve bem continua tentando preencher o winchester semivazio da memória brasileira, é sinal de que a nova ordem continua ‘Em Fermentação‘. É o que importa”.

Rilke respondeu a Franz Kappus: “Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de tê-lo perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por outro redator (ninguém o pode aconselhar ou ajudar)”.

Foi muito feliz a baiana Aninha, escritora e teatróloga, ao abrir o prefácio desta obra lembrando a Carta de Rilke. Essa geração de artistas modernos do século XIX que tiveram seus caminhos cruzados, de certa forma, aglutinados ao redor de Salomé, contribuiu definitivamente para o avanço da literatura e da psicanálise contemporânea – Nietzsche (1844); Paul Réé (1849); Freud (1856); Salomé (1861) e Rilke (1875).

Escolhi o conto de Ana Lúcia Merege, para representar todos os escritores e textos. Descrever sobre todos os textos é impossível. A coletânea é maravilhosa. Especialista em ficção medieval publicou: O caçador e O jogo do equilíbrio, além de vários artigos e do ensaio Os contos de fadas: Origens, história e permanência no mundo moderno, anima o blog ― A estante mágica de Ana – http//:www.estantemagica.blogspot.com.

Contos Perversos 1, da coleção Literatura Clandestina, organizado por Elenilson Nascimento nos contempla com a belíssima obra de Ana Lúcia: A senhora do amor e o herói trapaceiro. Essa narrativa trata de um roteiro facilmente identificável em dois pontos importantes: a) O vocabulário, nos transporta, sonhando, à uma realidade medieval. b) Trata-se de um texto erótico contado por Belle, uma jovem mulher interna em um convento. Seu interlocutor oculto, Esquerdo são vozes que determinam suas ações.

O erotismo explorado por uma escritora sempre desperta, entre machistas masculinos ou femininos, a libido dos leitores, que passam a andar, passo a passo, com a autora. Em outros momentos como voyeur observando às travessuras de Belle, quando olhamos pelo buraco da fechadura o olho mágico de ontem o mesmo de hoje, toda a trama. A coragem de criar e escrever sobre relações pessoais, até hoje, gera questionamentos dos mais variáveis. Num passado não muito distante a mulher escrevia e falava com a boca do homem. A inquisição não perdoava.

“Era apenas um jovem moleiro da vizinhança, e não tínhamos trocado mais do que alguns beijos no jardim do convento, mas elas o assustaram tanto com seus gritos e ameaças que ele prometeu casar-se comigo. Tentei explicar que não era necessário, mas ninguém me deu ouvidos, e as irmãs acrescentaram tanto aquilo que tinham visto que meus pais aceitaram o pedido do rapaz.”

O título soa como uma manchete de primeira página de jornal. O conteúdo literário atende religiosamente ao chamado: “Contos Perversos”. Lendo alguns dos textos distraidamente começamos a imaginar a reserva ética, moral e psicológica da paróquia e de cada autor. São, absolutamente, contos perversos. Não cabe uma análise do comportamento desses escritores. Mas, nessa coleção, amigos; só entra se for perverso. Boa leitura...


O livro pode ser encontrado com: elenilsonascimento@ig.com.br; http://literaturaclandestina.blogspot.com


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