8.10.14

Marina entre Aécio e Chico Mendes



7 de outubro de 2014 - http://paulomoreiraleite.com/2014/10/07/marina-entre-aecio-neves-e-chico-mendes/                                                   Por Paulo Moreira Leite
Caso venha a confirmar os sinais de que procura um atalho para se engajar na campanha de Aécio Neves, a candidata Marina Silva estará dando razão aos adversários que sempre disseram que sua “nova política” nada mais foi do que um rótulo de ocasião para praticar a “velha política” com outro nome.

Ao se posicionar em apoio ao PSDB, legenda cujos compromissos abertamente conservadores não podem ser colocados em dúvida, Marina também ajudará a alimentar a visão de que seus atuais movimentos políticos têm origem em motivações pessoais, que podem até explicar decisões que dizem respeito a vida de cada um, mas não são saudáveis como critério para deliberações que dizem respeito aos interesses da maioria da população brasileira.

Será, em primeiro lugar, um golpe definitivo em sua biografia de liderança popular. Até agora, Marina Silva se situava no terreno de quem procurava outro caminho para alcançar as mesmas metas. Rejeitava a antiga ordem — como fez desde menina — e também criticava o governo que faz tentativas inegáveis para modificá-la, como o PT, que ajudou a fundar e onde fez sua vida política depois de deixar os quadros do Partido Revolucionário Comunista.

A adesão a Aécio implica em mudança de identidade e perda de referência. Marina Silva pode até se transformar num troféu eleitoral no palanque do PSDB. Mas nunca mais terá autoridade para apontar um caminho próprio. Sua credibilidade será questionada. Em apenas seis anos Marina esteve no PT, no PV, na Rede, do PSB e agora fará campanha pelos tucanos?

É sabido que Marina tem trilhado contradições ao longo de sua existência. A companhia de Neca Setubal não fez bem a sua história de luta, até porque a herdeira do Itaú nunca se comportou com simples ajudante de campanha, vamos combinar. Os tuites de Silas Malafaia ajudaram a produzir outra ruína de 2014.

O apoio a Aécio será a travessia de uma fronteira — aquela que separa os interesses dos pobres e dos ricos, de quem trabalha e de quem vive do trabalho alheio, dos seringueiros e dos fazendeiros e pecuaristas que derrubam florestas e mataram Chico Mendes e Wilson Pinheiro. Sei que é forte falar assim. Parece dramático e trágico. Mas é esta a realidade.

É difícil, a partir daquilo que Marina diz e prega encontrar qualquer vestígio de “nova política” nas proposições de Aécio Neves.

Falando do ponto principal, que envolve a crítica de Marina ao sistema político brasileiro, tão severo, que ela chegou a ser identificada com os protestos de junho de 2013 — entre os candidatos a presidente, era a única que os analistas colocavam nessa situação.

As ideias de Aécio para renovar o modo de se fazer política se resumem a iniciativas tão superficiais que seria exagero considerar até como cosméticas.

Para começar ninguém acha que vai mudar a política brasileira alterando o sistema de votação, que pode até tornar-se menos democrático e menos representativo na passagem do proporcional com o distrital. É só estudar o que acontece em outros países para saber disso.

É bom não se iludir com os benefícios do fim da reeleição, novidade que o PSDB introduziu na política brasileira há apenas 17 anos — num país que, após 107 anos de república, já tivera tempo de criar todas as suas mazelas que se conhece hoje, vamos combinar. O mais engraçado neste debate é que a reeleição foi aprovada quando o atual candidato do PSDB era um dos caciques da Câmara e o tesoureiro tucano Sergio Motta organizava a caixinha para compra de votos entre centenas de parlamentares.

Aécio, que hoje fala em abolir a reeleição, é um dos pais dela. Era líder do partido do governo, na época e depois assumiu a presidência da Câmara. Sabe quando nasceu o mensalão PSDB-MG? Em 1998. Gozado, não?

O fundamental é que Aécio Neves e o PSDB são adversários irredutíveis da mais democrática proposta de mudança em nosso sistema político — proibir contribuições financeiras de empresas para campanhas eleitorais. Esta é a mudança que importa fazer.

Isso porque a contribuição das empresas é o caminho preferencial para os interesses privados alugarem os poderes de Estado pelas costas do eleitor, criando uma republica com cidadãos que valem 1 voto e outros que valem 1 milhão de reais.

Verdadeira sala das máquinas da corrupção política em toda parte – inclusive nos Estados Unidos — o sistema de contribuições  está no centro das pequenas e das grandes denúncias de corrupção política do país.

Pegue um caso, qualquer um. O dinheiro privado está lá, a espreita: no caixa 2, na conta na Suíça, onde for. Na Petrobras e no metrô paulista. Em qualquer governo, sempre. Lamentavelmente. Veja que Aécio adora denunciar a corrupção. Mas não quer impedir que o dinheiro das empresas continue alimentando decisões políticas. Vamos rir que é gozado, você não acha?

Em 7 de setembro, 7,7 milhões de cidadãos apoiaram um abaixo assinado pela reforma política, organizado por dezenas de entidades, aquelas que sempre aparecem na hora em que se movem interesses do povo — organizações populares, centrais sindicatos, a CNBB, e várias associações comprometidas com a democracia. A proibição do financiamento de empresas  se encontra no centro do abaixo assinado.

Um projeto semelhante de mudança se encontra no STF. Sabe por que foi paralisado? Por decisão do ministro Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso para a mais alta corte. São estes os aliados da “nova política” de Marina?

Outro ponto envolve o ensino integral. É preciso fazer um minuto de silêncio em homenagem a Leonel Brizola toda vez que se toca nesse assunto. Combatido covardemente em vida, mas sem deixar de responder com coragem a todos os ataques recebidos, Brizola enfrentou os aliados e os pais dos aliados para implantar os CIEPS, que eram estabelecimentos que permitiram o ensino integral para o brasileiro pobre. Não se achava, na época, que era importante melhorar a educação do povo mas empregava-se o mesmo argumento que os assessores econômicos de Aécio apresentam para criticar as políticas sociais do governo Dilma: dizem que geram excesso de despesas — ponto fundamental para quem faz  da geração de um superávit primário nas contas públicas a principal prioridade da política econômica. Não se iludam: cortar despesas e implantar ensino integral de verdade não funciona nem em palanque.

A sustentabilidade é um ponto essencial na biografia política de Marina, o que torna ainda mais difícil entender sua possível adesão ao candidato do PSDB. Conforme dados do Ministério do Meio Ambiente, no governo Fernando Henrique o desmatamento atingiu uma média de 18 000 km2 por ano. No governo Lula, que incluiu os cinco anos de Marina no ministério, a média caiu bastante, batendo em 15 000 km2. E se encontrava num ponto tão reduzido, no fim do segundo mandato de Lula, que caiu para 5,200 km2 no governo Dilma. Sabe-se que houve uma alta em 2014 — os desmatamentos são irregulares como a maioria das atividades humanas — mas ainda assim o nível foi consideravelmente reduzido.

Há poucas semanas, o desempenho do Brasil em 2013 em programas de sustentabilidade foi considerado um sucesso e um exemplo. Num documento assinado por 27 governos — entre eles França, Estados Unidos, Alemanha –, quatro dezenas de ONGs e mais de 60 empresas, a “Declaração de Nova York sobre Florestas,” pode-se ler uma afirmação que desmente o cardápio habitual de críticas ao país nessa matéria: “pelo tamanho das emissões evitadas, (o Brasil) pode muito ser o maior caso de sucesso até hoje, globalmente, em qualquer setor.” Se é difícil de acreditar, leia de novo: “maior caso de sucesso até hoje, globalmente.”

Para quem está preocupado, de fato, com questões objetivas, até um documento feito por países estrangeiros, sem participação de representantes do governo brasileiro, ajuda a mostrar o que há de verdade e o que é mistificação nos programas de sustentabilidade do governo brasileiro. É em nome disso que Marina vai apoiar Aécio?

(Este texto já estava publicado quando o jornalista Kennedy Alencar divulgou a notícia de que Aécio ofereceu o Ministério das Relações Exteriores para Marina Silva. É uma oferta ruim para a Marina e para o país.

A passagem de Marina pelo Ministério do Meio Ambiente, onde ela se encontrava a frente de uma área que conhece com alguma intimidade, foi marcada por conflitos desnecessários, que levaram a sua saída em 2008. Kennedy diz que Aécio pretende entregar o Itamaraty para Marina para que ela crie uma “diplomacia verde,” expressão enganosa, na ecologia e na diplomacia. Basta meditar um minuto sobre a “Declaração de Nova York sobre Florestas” para reconhecer que o governo brasileiro já pratica uma política ambiental aplaudida pelo planeta, o  “maior caso de sucesso até hoje, globalmente.”

Se as informações de Kennedy Alencar estão corretas, a “diplomacia verde” se destina a servir de cobertura ideológica para um giro diplomático, devolvendo o Brasil para o circuito de aliados tradicionais, a começar pelos Estados Unidos e demais nações desenvolvidas, interessadas em manter o país no sistema de “integração subordinada” aos mercados globais).

Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época.


2 comentários:

Célia disse...

Ventura! Você pinça cada texto jornalístico tão real que acredito sequer teremos "xale" de sobra ou o quicó (penteado da dita cuja...) de grande sustentabilidade que me faz ponderar e deduzir: ... "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come"... E, a ambientalista protegerá o "bicho" evidentemente! Aos professores aposentados... tadinhos deles sequer uma mata colaborativa para descansar seus esqueletos (se sobraram...) Olhe, "não sei de nada / não vi nada..."
Abraço

Ventura Picasso disse...

Célia, pois é - Desde Montoro, quantos professores passaram pela executiva dos governos de SP, sem precisar citar o intelectual 'Sorbonês'. O ensino e a saúde do sistema público, na visão dos economistas, basta abrir uma porta oferecendo atendimento, é só custo Para eles,sem retorno. A mesma visão sobre a base salarial, o mínimo, que não deve ser reajustado, para não provocar a falência dos pequenos municípios. O consumo interno deve ser alcançado apenas pela classe média dos viajantes à Miami. Mas, precisamos lembrar dos velhos professores que tiveram seus direitos econômicos transformados em PRECATÓRIOS. Um amigo, professor de latim e francês, falecido aos 101 anos, há oito anos, até hoje tem á receber um mofado precatório. Sem dúvida, é a maior humilhação do Estado sobre toda a categoria. Um outro amigo, professor, ao ver uma notícia criminal, admirou-se: "esse porteiro do bordel foi o meu melhor aluno de português". Tem os mais anônimos, por exemplo, aqueles professores que formaram o Arruda, o Collor, o FHC etc. De tudo uma ressalva importante: o Lula só tem diploma do Senai (só aprendeu a trabalhar). O porteiro do bordel é um cidadão da melhor qualidade.
Eu, tanto quanto vc, não vi nada... hahahahahaha
abs