Ventura Picasso
É carnaval. O ano de 2015 pede passagem. O século XXI
explode de amor e ódio entre os humanos. As religiões reaparecem, magicamente,
punindo os pecadores. Um filme de terror em flash back com Gregório em 1231.
Inverno em Paris para quem acredita em deus, inferno no
Charles Hebdo que não acredita em nada.
Era 7 de janeiro de 2015, o ano mal começava. Lembrando
Drummond de Andrade: “Que século meu Deus! – exclamaram os ratos e começaram a
roer o edifício”.
A revista explodiu levando a vida dos cartunistas sem
deus.
Foi o primeiro dia que a totalidade da imprensa
nacional não falou: Petrobras!
No meu termômetro, na cozinha, faltava uma pena para
40°. No jardim, ao final do dia, enquanto refrescava as plantas, Tonico
apareceu. É o meu amigo beija flor, numa plumagem brilhante verde escura, fazendo
malabarismos em frente ao spray de agua fresca.
Aqui onde moro, a correnteza do Tietê, acumula mais de
quinhentos quilômetros de sua nascente. O nível está dois metros abaixo. Ainda
chega agua em nossas torneiras.
Tonico pousou no poleiro improvisado frente às Acácias. O chão
do jardim ficou, após agitação provocada pelo vento, amarelo.
Perguntei ao Tonico como foi a chegada do Ano Novo para
ele.
— Chegou o Ano Novo? Não vi! Vejo tudo igual. A Praça
Rui Barbosa está muito suja, o mato começa ficar bonito nos canteiros, agua
empoçada nas alamedas. Na esquina da Olavo Bilac com Campos Salles, onde
precisa, não tem faixa preferencial para pedestres.
Sou obrigado a concordar com Tonico. Atravessar o
semáforo para pedestres, em doze segundos é só para quem frequenta academia,
não há velha que consiga.
Tonico olha aí quem está chegando o bem te vi.
— Ben?
— E aí, beleza? Qual é o papo Tonico?
— Faixa para pedestres.
— Faixa? Desça a Rua Marechal Deodoro da Fonseca e olhe
em todas as esquinas do lado ímpar –
você encontra lixo – faixa para pedestres na Rua D. Pedro II, na Rio Branco e
na Virgílio Ribeiro (?) ninguém encontra. O secretário, o primeiro escalão e o
segundo, a santíssima coligação da governança não sabe onde fica essa praia.
Ben é um bem te vi anarquista e preconceituoso. Quando
encontra com o anu preto Zumbi é só pena que voa. Zumbi não tem onde reclamar,
mas reclama por ser perseguido.
— Não tenho preconceito de cor, nem tanto. O cara chega
aqui todo soado, sujo de poeira, e mergulha no bebedouro. Não é por ele ser
preto, mas por ser porco. Aprendi com a delegada Rosely, pisou na bola: “É
tiro, porrada e bomba”. O cara vai aprender a viver em sociedade.
O jornal não chegou liguei reclamando:
— Não recebi o jornal!
— Qual é o seu nome?
— Ventura
— A sua assinatura foi cancelada.
— Que ótimo!
A menina deixou escapar aquele riso, tipo explosão, que quer sair mas
não sai.
— Com voz risonha perguntou: o senhor não quer fazer uma nova assinatura?
— Não meu bem, muito obrigado.
Há algum tempo desisti do jornal escrito. Não sou e
nunca fui nada importante para o jornal, para o editor chefe, para os jornalistas
e fotógrafos, e a tantos quantos estão envolvidos no projeto de produção do jornal
diário.
Mas, qual foi o drama? Perguntaram Tonico e Bem.
— Durante a campanha eleitoral fui informado através de
uma fotografia que sou apenas um leitor insignificante. Demorou em cair a
ficha, assim como no texto sou obrigados a ler e reler, ao visualizar uma
foto uso a mesma tática. Tratava-se de uma foto dos dois candidatos à
presidência da república no segundo turno. Um candidato, bem focado, sorridente
e aparentemente amável conversando com o meu candidato. O meu candidato, consequentemente,
bem focado com os cabelos alinhados vestido de vermelho, de costas. O meu
candidato no meu jornal estava de costas para mim.
— Ventura, o Bem acha que o jornal tem outro candidato.
O jornal é enrustido – aquele tipo anônimo que ninguém gosta – nem o próprio
jornal. Falta amor próprio. Respeito!
— E as palavras cruzadas?
Perguntou dona Edna.
— Tudo bem, patroa: eu consigo os dois jornais para a
senhora. Pelo menos nas palavras cruzadas eu acredito, mas no conteúdo não.
No labirinto das mentiras políticas cabe apenas uma
crônica perdida; não mata como bala, mas abala meus sentimentos, fere e ofende
a minha dignidade.
Ventura Picasso
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4 comentários:
ÔÔÔÔ, meu amigo! Não engoliu ainda a candidata de costas??
Deveriam ter colocado os dois de costas.
Quanto aos mau feitos das praças, das ruas, das faixas de pedestres, como pode, né, amigo?
Como pode dizer que faria tanto e nem faz para os idosos, principalmente os que ainda votam...???
Talvez quem governa o espaço que você reclama acha que é melhor os idosos serem atropelados, menos despesas para a Previdência.
Pra que limpar as ruas citadas...
sujeira é bom, acumula ratos.
ÔÔÔ Picasso, meu amigo. sinto a tua dor em mim.
se não fosse tão madrugada, sairia nesta chuva para acalentar-lhe a alma, esta alma de ideais feridos e de garganta cheinha de dignidade que precisa gritar.
Nessa questão, amigo, somos todos Zumbis.
A displicência administrativa do governo municipal é o que predomina no resto do país. Essa preguiça vaidosa começa sempre nos municípios. A população que vigia e cobra soluções do governante colabora para impedir a corrupção. Nos falta a bancada/lobby do povo. Os nossos opositores possuem bancada do governo, base governamental e nós possuímos apenas o voto. Mas, não adianta votar se não aprendemos a fazer um estudo sobre conjuntura política. Os jornais estão preocupados?
Nunca mais tinha passado no seu blog, mas a perfeição continua. Você é imbatível, Ventura; amei o texto e a forma que se expressa.
Vou voltar a passar aqui e a postar no meu blog.
Um grande abraço, meu amigo.
Elaine que bom. A gente evolui trocando opiniões, ideias e experiências. Esteja a vontade ´estou feliz com sua visita. Abração.
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