26.9.16

Sexualidade e Capitalismo



 

http://www.brasil247.com/pt/colunistas/cassiovilelaprado/257092/Necessidade-Sexualidade-e-Capitalismo-Equivoca%C3%A7%C3%B5es-do-Desejo.htm



 


Desde sempre a humanidade foi construída pelo confronto de seus habitantes. Além da permanente falta para suprir as necessidades mais básicas como a alimentação e o abrigo contra as tempestades, o frio, o sol e os ataques físicos animais, surgiu uma outra demanda, supostamente mais difícil de solucionar: a demanda de amor do outro e o desejo de poder, as duas sempre de mão dada, pois se tenho o amor do outro, supostamente tenho o poder.

Na medida que o homem evoluía, tanto em seus aspectos físicos-biológicos – a evolução do lobo frontal, a postura ereta, a descoberta do fogo, a invenção da roda, os medicamentos diversos... – como nas suas conquistas psicológicas – a criação da linguagem humana, a capacidade para pensar, a consciência de si e do mundo, a reflexão... – talvez se pudesse conjecturar ingenuamente que a grande demanda pelas necessidades materiais fossem se equacionando, apesar da escassez desses recursos básicos, ou seja, com a evolução geral da humanidade talvez o homem fosse capaz de equivaler-se de forma mais equânime naquilo que ele mesmo criava (produto – oferta) com a demanda (necessidade) do mercado.

É importante ressaltar que esse modelo socioeconômico, gerador do mercado, teve a sua insurgência no pós-feudalismo, com a ascensão da burguesia e com o declínio político da monarquia, embora já existisse o mercado dos mascates e o escambo. Outrora, ainda sem existir o dinheiro, talvez as primeiras moedas cunhadas em bronze, prata ou ouro tivessem o seu valor apenas pelos seus próprios pesos e pela escassez de sua obra-prima na natureza.

Apesar da teoria macroeconômica original do economista francês Jean-Baptiste Say (1767-1832) – Lei de Say: "A oferta de um produto sempre gera demanda por outros produtos." + "A oferta cria sua própria demanda." (Artigo: A verdadeira Lei de Say e não a distorção keynesiana), – ter sido veemente contestada por pensadores como John Stuart Mill (1806-1873) e Karl Marx (1818-1883), cada um deles a seu modo, quais foram os fatores determinantes que acirraram a impossibilidade da "oferta x consumo" se aproximar a uma curva de equilíbrio, independentemente dos chamados ciclos econômicos?

Para Say, a oferta de um produto e agregados criariam as demandas e o consumo, e não o contrário, em que o consumo deflagraria a produção, tendendo assim a um certo equilíbrio macroeconômico. Entretanto, para Keynes, a Lei de Say desconsiderava os ciclos econômicos que afetavam, sobremaneira, esse equilíbrio entre oferta e consumo, provocando grandes estoques de mercadorias produzidas para pouco consumo equivalentes. Keynes ainda avança a perspectiva de Say ao apontar o lucro dos produtores como fonte de acúmulo de capital gerador de poupança, investimentos em imóveis e títulos mercantis, obrigando o Estado a intervir na vida econômica, também em virtude do desemprego ocasionado pela queda da produção decorrente da diminuição do consumo e da regulação dos estoques.

Marx faz uma crítica ferrenha a Keynes, trazendo uma outra leitura das relações humanas e econômicas centrada na luta de classes, em que o lucro (o capital) acumulado pelos produtores se dava em virtude da mais-valia, em que a mão de obra da classe operária produtiva é o fator determinante do acúmulo de capital pelos produtores detentores dos meios de produção devido ao valor do trabalho não pago, portanto o trabalho espoliado seria a principal fonte do capital que não vinha diretamente do lucro da mercadoria em si mesma.

Assim, no percurso da história social-econômica da humanidade, "a evolução" biológica, material, psicológica e científica do homem parece não ser importante nem determinante para o equilíbrio entre as necessidades humanas e a sua repleção correspondente, muito ao contrário, o que se viu e se vê é uma "outra forma de equilíbrio" no qual o acúmulo da riqueza recai apenas no bolso de poucos produtores e especuladores financeiros (os chamados capitalistas), dividindo assim apenas entre eles o capital gerado pela força produtiva. Por outro lado, o equilíbrio também se efetiva e se intensifica entre a classe desprovida dos meios de produção, os trabalhadores, os quais se mantêm em um perfeito equilíbrio ao dividirem entre si a miséria da mais-valia, restando-lhes, desde os primeiros tempos econômicos o circo, as migalhas de pão e o álcool entorpecedor de seus calos e de suas alienadas resignações.

Neste sentido, existe de fato o tão sonhado equilíbrio social-econômico, de um lado os patrões-caviar, de outro, os trabalhadores-sardinha. A divisão de classes foi a resposta encontrada pelos próprios homens para chegar ao equilíbrio social e econômico, contudo, de forma sutilmente perversa, velada e consentida. Assim, foi necessária a aceitação do acordo coletivo perverso, a humanidade passa a mostrar a sua face sadomasoquista. Dessa forma, esse fundamento psicológico do capitalismo deve ser entendido em "outro lugar".

Possivelmente, uma resposta especulativa à essa "fissura", esse "splitting" socioeconômico da humanidade não esteja na esfera apenas das Ciências Econômicas, mas quem sabe se possa especular num campo subjacente, ou latente à ordem econômica dos bens produzidos e adquiridos pelos homens, esse Homo Sapiens estranho, cheio de desejos, emoções e afetos diversos, Homo Sexualis Economicus, gerenciado pela potência de sua "vontade inconsciente", embora isso escape ao seu controle racional, imprimindo a sua política econômica puramente libidinal.

Assim, retornamos indubitavelmente àquilo mencionado mais acima, quando se atenta mais de perto e cuidadosamente ao perigoso terreno do imaginário da sexualidade com o seu poder engendrado nas subjetividades: "a demanda de amor do outro e o desejo de poder".

Say, Keynes, Stuart Mill e Marx não contavam com a genialidade de Sigmund Freud (1856-1939) com a sua implacável Psicanálise, inaugurando um novo mercado econômico sexual e uma teoria geral das trocas mercantis libidinais, assim como a sua lógica dinâmica da produção, da oferta, do consumo e do poder adstrito na acumulação material e simbólica de bens e do capital em seu solo subjetivo topológico.

Talvez um "chute no saco" e na "bunda" dos economistas, pois as suas teorias não estão isentas da força de seus inconscientes sexualizados, impondo às suas penas à tinta a correlata mantra do desejo sexual, de onde saem fezes, sêmens e salivas em forma de produtos ofertados em busca da simétrica demanda correspondente aquisitiva, gerando em ambos os lados opostos o poder de venda assim como o poder de compra, numa espécie de romance sexual econômico, dinâmico e topológico, no qual se busca o poder de amar e de ser amado pelos e com os outros personagens dessa trama humanoide.

Além da lógica capitalista moderna inaugurada pela ascensão histórica da burguesia culminando com a Revolução Industrial, a mentalidade apropriativa e cumulativa dos antigos Césares ganha a sua acentuada força na contemporaneidade com a cópula do capital mais a tecnociência, inundando o nosso planeta com as cifras (sobretudo a falta delas), produzindo, massificando e moldando as subjetividades do grande e dócil rebanho terráqueo.

Com Freud e a sua Psicanálise, as relações de trabalho entre os homens são determinadas pelas suas posições subjetivas diante do outro homem, é uma relação entre sujeitos, cada qual com as suas especificidades psíquicas estruturais. Além da necessidade do sexo para a procriação da raça humana, anterior ao mercado de trabalho, os sujeitos trazem em si, desde a mais remota infância, as suas formas de ser, com os seus desejos, fantasias, amores e modelos de assujeitamentos ao outro e à norma cultural.

Produzem, vendem, compram, acumulam e gozam... Ciclos econômicos repetitivos, as relações humanas e sociais centradas nessa lógica mercantil sexual gozante herdada e adquirida, imperativa na humanidade, na esperança de que, assim fazendo infindavelmente, os sujeitos vendedores e seus respectivos compradores encontrem os seus objetos libidinais no mercado sexual global, pois essa economia libidinal sem garantias nem lastros monetários em seu cerne faz com que os sujeitos envolvidos na trama armada pela mentalidade histórica do capitalismo selvagem indelével escoem apenas parte da produção material libidinal, inflacionando o mercado subjetivo humano, acarretando o constante acúmulo da tensão pulsional tanto na subjetividade produtiva quanto na consumidora, dificultando um possível encontro orgástico, haja vista o desequilíbrio entre oferta e procura, com a Psicanálise, entre o desejo e a sua realização impossível. Parece que estoque libidinal represado e o gozo do consumo desvairado não respeitam nenhuma lei regulatória senão a sua própria lei tirana de produção e consumo a todo custo.

Não foi à toa que Freud nos disse que o pior inimigo do homem é o próprio homem, portanto não são as necessidades materiais, a fome ou o nosso próprio corpo decadente, mas o outro ser humano, aquele com o qual se ilude e se frustra, tendo em vista a impossibilidade de completude, pois o outro, mais cedo ou mais tarde se revela um ser faltoso, "sem cash libidinal suficiente", porém castrado ou denegador de sua incompletude. Ou se é portador imaginário de uma força monetária e sexual, ainda assim ele permanece incompleto, pois a sua suposta potência capital libidinal não se satisfaz plenamente com os seus objetos cumulativos, muito menos tem o poder de encanto sexual permanente, o espelho sempre se trinca.

Afora a importância das teorias econômicas racionalistas, hoje já se vê claramente a utilização, de forma perversa, de certos pressupostos psicanalíticos aplicados ao mercado, como a desesperada transformação fetichista dos objetos de consumo em "objetos causa do desejo" – "objeto a" para o psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) –, disseminando que se esses objetos ofertados e "fetichizados" forem consumidos, se pode ser feliz plenamente, pois ao adquiri-los é possível atingir o clímax do orgasmo material e sexual.

Todavia, o merchandising perpetuador e mantenedor do establishment global em poder dos produtores e acumuladores de fezes (capital), estuprando as subjetividades e corrompendo o desejo dos "sujeitos mão de obra consumidora alienada", jamais comunicará nas prateleiras dos shoppings e supermercados que os seus produtos ofertados são um grande engano objetal sexual produzido pelas táticas de mercado, fraudando a voraz libido que não se engana, pois ela não conhece as leis regulatórias do mercado, apenas os "sujeitos adestrados" trocam "lebres por coelhos", embora empanturrar-se de lebres não garanta orgasmos múltiplos.

Nem de coelhos ...

Talvez uma certa castração operacional subjetiva se faça necessária, tanto para a queda do poder fálico capitalista quanto da orgia gozante mercantil libidinosa da potência consumista.

De fato, talvez a realidade humana não se permita a esse corte subjetivo à sua promiscuidade gozosa sadomasoquista e fetichista, embora todos os romances, poemas e novelas escancarem cotidianamente o impossível do amor, do encontro sexual e do grande engodo do capital centrado na falácia do poder narcisista e do desejo sem ética.

O capitalismo assim visto é um sintoma sexual, o "mal-estar da civilização" – Freud.

O desejo econômico é um desejo sexual impossível.